O trigo é uma cultura de extrema importância, sendo amplamente utilizado na alimentação humana e animal. No entanto, está sujeito a ocorrência de diversas doenças que podem comprometer, além da produtividade, a qualidade do produto colhido.
As principais doenças da cultura do trigo incluem a giberela e a mancha-amarela, altamente influenciadas pelas condições climáticas favoráveis durante a safra. Essas doenças têm o potencial de causar reduções acentuadas na produtividade da cultura.
Estudos apontam que cada uma delas pode causar uma diminuição de até 50% no rendimento do trigo. Quando ocorrem simultaneamente, as perdas podem ser ainda mais severas. Isso ocorre porque a mancha-amarela afeta principalmente o período vegetativo da cultura, enquanto a giberela se manifesta durante o período reprodutivo.
As previsões climáticas para os próximos meses indicam condições favoráveis para a ocorrência dessas doenças. Diante desse cenário, é fundamental adotar um manejo assertivo, pois essa prática pode ser determinante tanto para alcançar altas produtividades quanto para garantir a qualidade do trigo colhido.
Prossiga a leitura e entenda como extrair o máximo do seu manejo e proteger a sua lavoura de trigo das doenças!
Ocorrência de doenças no trigo na safra 2022
Na safra 2022, para a giberela, por exemplo, o CIRAM (Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina), já indicava condições climáticas que ofereciam risco leve, moderado e severo para ocorrência da doença em diversas regiões produtoras, principalmente nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, no mês de junho, conforme pode ser visualizado no mapa abaixo.
Mapa das condições climáticas favoráveis para ocorrência da giberela nos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná no final de junho de 2022. Fonte: Dados CIRAM, consulta em junho de 2023.
Nesse mesmo período, quase 60% das lavouras já havia sido semeada, e a cultura encontrava-se em desenvolvimento vegetativo. Já na safra 2023, comparando com o mesmo período, a semeadura encontra-se atrasada, em virtude do grande volume de chuvas ocorrido durante o mês de junho. A safra 2023 deve ser desafiadora, tendo em vista a confirmação do fenômeno El Niño para o segundo semestre de 2023.
Cabe ressaltar que as condições climáticas para ocorrência de ambas as doenças são semelhantes:
- para giberela, precipitações por pelo menos 48 horas, associadas a temperaturas entre 20 e 25ºC são favoráveis à doença;
- para a mancha-amarela, período de molhamento foliar de no mínimo 30 horas e temperaturas entre 18 e 28ºC.
Esse cenário deve exigir esforços redobrados quanto à ocorrência de doenças, especialmente a giberela e a mancha-amarela, uma vez que ambos os patógenos sobrevivem em restos culturais do cultivo anterior. Embora a cultura seja cultivada com intervalo de tempo entre oito e nove meses (com início da semeadura em junho e início da colheita em outubro para a maior parte das regiões produtoras), esse período não é suficiente para que os restos culturais sejam totalmente decompostos – estudos indicam que são necessários pelo menos 18 meses para que a decomposição completa ocorra, servindo, portanto, como fonte de inóculo inicial para a ocorrência dessas e de demais doenças na cultura. Além disso, os fungos podem sobreviver de diferentes formas.
Sintomas e sobrevivência do fungo causador da giberela (Gibberella zea)
Os sintomas podem ser observados tanto nos grãos quanto nas espiguetas. As espiguetas, quando infectadas, adquirem coloração palha, com as aristas arrepiadas, o que difere a doença da brusone (que é frequentemente confundida com a giberela).
Sintomas da brusone à esquerda e giberela à direita. A diferenciação das doenças consiste no fato que, para a brusone, os sintomas são observados a partir do ponto de infecção, de modo que toda a espiga adquire coloração palha. Já para a giberela (à direita), os sintomas observados são em pontos diferentes da espigueta, podendo ela ter variações de coloração verde (normal) e palha (onde a infecção do patógeno está ocorrendo). Fonte: Antunes, 2014.
Sintoma típico da doença em fase final de maturação dos grãos: parte da espigueta de coloração palha e aristas “abertas”. Fonte: Tibola, 2013.
Quando a colonização do fungo ocorre precocemente, pode não haver formação de grãos. Em infecções mais lentas, os grãos podem adquirir aspecto enrugado, chocho, áspero e de coloração rosada.
Grãos de trigo, de coloração verde e aspecto chocho, enrugados e esbranquiçados à esquerda, e grãos chochos, enrugados, esbranquiçados e de coloração rosada à direita, em decorrência da infecção pelo fungo causador da giberela. Fonte: Lima, 2017.
Os sinais da doença também podem ocorrer em condições favoráveis, como alta temperatura e umidade, fazendo com que as espiguetas adquiram coloração rosada (em decorrência da presença das estruturas do fungo).
O agente causal da giberela pode sobreviver no sistema de cultivo por meio de três formas:
Em sementes de trigo, aveia, azevém, centeio, cevada, triticale, feijão, sorgo e soja, o que reforça a necessidade de atenção, especialmente em anos favoráveis.
Em restos culturais de diversos hospedeiros, como milho, aveia, azevém, centeio, cevada, soja, trigo e triticale.
Em estruturas de repouso ou dormência: em períodos de escassez de nutrientes, o fungo é capaz de sobreviver em forma de clamidósporos, uma estrutura de sobrevivência.
A fase crítica para a ocorrência da doença começa no período de extrusão das anteras e vai até os estágios de desenvolvimento da massa de grãos.
Desafios no controle da giberela em trigo
O controle da giberela é complexo por alguns motivos principais:
- o fungo possui a habilidade de sobreviver de diferentes formas e em restos culturais de inúmeras culturas;
- grande parte das cultivares apresenta sensibilidade à giberela;
- doença altamente influenciada pelo clima – condições climáticas favoráveis durante o período de antese determinam a intensidade da doença;
- dificuldade dos fungicidas atingirem o sítio de infecção (anteras presas);
Embora medidas complementares podem ser utilizadas no controle de muitas doenças da cultura, para a giberela isso não ocorre. Vejamos a seguir o porquê:
Escalonamento da semeadura: essa medida tem como objetivo o não florescimento das plantas no mesmo momento, sendo considerada, portanto, uma medida de escape para a infecção.
Rotação de culturas: para usar essa medida como controle, seria necessário a ausência de hospedeiros suscetíveis, portanto, no caso da giberela, a rotação de culturas não é uma medida eficiente.
Controle cultural: a incorporação dos restos culturais no solo pode auxiliar na redução da intensidade da doença, no entanto, essa medida caiu em desuso devido ao cultivo via SPD (Sistema Plantio Direto).
Tratamento de sementes: mesmo o fungo estando presente em sementes, essa medida não evita que a doença ocorra, isso porque, como vimos, a infecção ocorre no início do período reprodutivo da cultura.
Logo, o controle químico é considerado a principal forma de controle, desde que a aplicação seja realizada no momento correto.
Problemática da giberela vai além dos danos em campo e na qualidade do trigo colhido
Um agravante da ocorrência da giberela é a produção de substâncias tóxicas à saúde humana e animal. O fungo produz metabólitos tóxicos secundários, utilizados como mecanismos de defesa contra outros microrganismos. Essas substâncias são termoestáveis (resistentes à temperatura no processo de industrialização) e bioacumuláveis (se acumulam no organismo, levando a problemas sérios de saúde).
Essa condição pode ser um futuro entrave à comercialização e à exportação de trigo, visto que o mercado internacional, consumidor do trigo brasileiro, tem restringido cada vez mais os limites máximos dessas substâncias em grãos de trigo. Tendo em vista que, nos próximos 10 anos, o Brasil deve ser um dos principais produtores do cereal de inverno, os produtores devem estar atentos à problemática dessa doença e ao manejo deve ser dado desde agora.
Um artigo recente, publicado na Central de Conteúdos Mais Agro, abordou o tema de forma aprofundada e você pode conferir as informações completas no link.
Na tabela a seguir, é possível observar as micotoxinas mais produzidas pelo fungo causador da giberela (que é conhecido em sua fase assexuada como Fusarium graminearum, agente causal da podridão das raízes, no início do desenvolvimento da cultura).
Tipos de micotoxinas produzidas, fungos associados, alimentos mais propensos à contaminação e principais fatores de produção. Fonte: Mais Agro, 2023.
Sintomas e sobrevivência do fungo causador da mancha-amarela (Drechslera tritici-repentis)
Os sintomas da mancha-amarela podem ser observados nas folhas e consistem em lesões inicialmente elípticas, de coloração amarelada ou aspecto bronzeado. Com o avanço da infecção, as manchas tornam-se ovais ou em forma de um diamante, adquirindo coloração marrom que varia do marrom claro ao escuro.
Início dos sintomas da mancha-amarela: lesões elípticas com presença de um halo amarelo em torno das manchas marrons. Fonte: Santana, 2021.
O patógeno sobrevive na palhada, em restos culturais de gramíneas hospedeiras como centeio, trigo e triticale. Ocorre, geralmente, nos estádios iniciais de desenvolvimento do trigo, considerada fase mais suscetível à doença. Geralmente as folhas mais velhas apresentam maior intensidade dos sintomas, e nelas pode ser observado um halo amarelado em torno das lesões (sintoma característico da mancha-amarela no trigo).
Desafios no controle da mancha-amarela
A mancha-amarela é considerada uma das principais doenças da cultura e têm apresentado dificuldade de controle nas últimas safras. Isso ocorreu por alguns motivos. Os principais incluem:
- sistema de plantio que favorece a sobrevivência do fungo em restos culturais entre uma safra e outra;
- poucas cultivares com bons níveis de resistência ou tolerância à doença;
- condições favoráveis à doença na época de maior suscetibilidade da cultura, com períodos de chuvas e elevação da temperatura durante o cultivo de inverno;
- agressividade do fungo;
- resistência aos fungicidas.
Nesse contexto, é crucial intensificar os esforços e a atenção no manejo das doenças que afetam a cultura do trigo. É importante ressaltar que a giberela e a mancha-amarela, por exemplo, mesmo com a aplicação de um manejo integrado (altamente recomendado em qualquer contexto e cultura), são consideradas doenças de controle desafiador.
Como evitar a giberela e a mancha-amarela, em condições favoráveis às doenças?
Baseado nas informações disponibilizadas até aqui neste artigo, já é possível compreender que não é possível evitar a ocorrência de doenças no trigo, mas sim, é possível reduzir os danos causados por esses patógenos, protegendo a produtividade e qualidade do produto colhido.
E como fazer isso com eficiência, em cenários desafiadores para o controle de doenças da cultura, com base em relatos cada vez mais frequentes de resistência dos patógenos às moléculas disponíveis?
O manejo é a chave para essa questão, principalmente relacionado ao timing (período correto) de aplicação de fungicidas. Cabe lembrar que, para a giberela por exemplo, o manejo com fungicidas é a principal forma de controle, tendo em vista que o patógeno infecta a cultura no florescimento.
O x da questão: é possível adotar um manejo para o controle da giberela e da mancha-amarela no trigo, de forma conjunta?
A resposta é sim, mas exige esforços, tecnologia em fungicidas e conhecimento técnico, especialmente pelo período em que a aplicação de fungicidas deve ser realizada, levando em consideração a fase de desenvolvimento mais suscetível da cultura a cada uma das doenças.
Para alinhar o controle de ambas as doenças, é indispensável que o fungicida escolhido possua controle superior de ambas as doenças, tendo em vista que já existem registros de resistência e perda de eficiência das moléculas disponíveis no mercado.
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